quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Itália: descendente da família Fiori conhece vila de onde partiram imigrantes



Conhecer as origens é uma curiosidade natural de todo ser humano. A região das colônias italianas, no Rio Grande do Sul (Brasil), explora muito bem esse passado atraindo turistas ansioso por conhecer como viveram aqueles que atravessaram o oceano no século XIX em busca de prosperidade. 

O que era para ser apenas um processo de cidadania italiana, resultou numa aventura: entre os meses de maio e junho de 2008, passei 20 dias viajando pela Itália. O ponto alto seria no domingo, 25 de maio, quando tomei um trem para Lucca, uma cidade fundada por etruscos e dominada pelos romanos em 180 a.C. O motivo é que Lucca é o ponto de partida para subir os Alpes Apuane (o nome deriva da tribo Apuani Ligures), uma cordilheira de 55 quilômetros de extensão no norte da Toscana. Nessa região, na antiga Castelnuovo di Garfagnana, estão as origens do meu sobrenome, segundo as pesquisas para o processo de cidadania.

O posto de informações turísticas de Lucca tem um amplo material de divulgação da região, mas quando pergunto sobre a pequena Monterotondo a atendente não faz ideia. Uma das "frazioni" de Castelnuovo, algo como distrito, nem mesmo aparece no mapa. A saída, foi pegar um trem e ir até lá, mesmo sem saber se havia horário de retorno, afinal, o importante era aproveitar a oportunidade.

Para chegar a Castelnuovo, um trem simples, com a linha chamada Aula, de apenas duas composições, parte de Lucca em direção aos alpes. A paisagem se transforma: dos campos verdes ponteados de ciprestes e "novelos de palha" da Toscana, para uma paisagem bastante familiar para quem conhece a Serra Gaúcha. Trata-se do mesmo modelo e distribuição de casas. A única diferença é que as montanhas são infinitamente mais altas, e algumas preservam a neve do último inverno. Com certeza, esses italianos não estranharam a geografia e o clima do Sul do Brasil. A vista se completa com algumas pontes romanas e fortalezas em ruínas.

A estrada de ferro passa por cidades como Bagni di Lucca, onde as águas termais atraiam os centuriões aposentados do Império Romano. Castelnuovo não demora a aparecer. Trata-se de uma cidade que é referência há séculos para a região. Já foi chamada de "Caferonianu" nos mapas da Roma Antiga (em exposição no Museu do Vaticano). No século IX praticava-se a profissão de tabelião no interior do "Castello Nuovo". No século XV, os "garfagnini" aderiram ao governo de Niccolò d'Este di Ferrara, na intenção de fugir da disputa entre Pisa e Lucca. Nessa época, a Rocca Ariostesca, uma fortaleza construída no século XII, passou a ser residência dos governadores da província.

Casas e sobrados guardam a história de sobrevivência durante batalhas entre diferentes domínios. Logo após a entrada, é possível avistar a igreja de San Pietro e Paolo, construída em 1467 para substituir uma mais antiga em homenagem aos mesmos apóstolos. Foi nessa igreja que os Fiori foram batizados, segundo a certidão enviada pela paróquia ao Brasil. Idosos se apressam para a missa das 18 horas, inclusive uma senhora a quem eu havia pedido informações sobre como chegar ao centro da cidade a partir da estação de trem. "Lei ha trovato il centro? Bene!" Os habitantes são simpáticos aos estrangeiros, o que é louvável em se tratando de uma cidade fora da rota turística. Foi um "carabinieri", policial local, que confirmou a existência de Monterotondo, além de também informar sobre o último trem às 20 horas de volta à Lucca. A presença de uma estrangeira na pequena cidade chamou a atenção. Um senhor curioso veio perguntar o que eu precisava e foi prestativo chamando um taxi, o único do vilarejo.

Enfim, sou levada pelo seu Gulielmo ao "paesino" de Monterotondo. Uns cinco minutos pela rodovia e mais três minutos por uma sinuosa estradinha numa colina verde. De repente, uma vila de casas de pedra surge. Uma igreja, chamada Santo Espírito e meia dúzia de sobrados. No jardim da igreja, dois casais de idosos estão sentados conversando, mas de repente param e perguntam o motivo de alguém estar tirando fotos das casas: "Perchè fotografie?" Converso com eles e dona Eni Tellini, responde de pronto: "Sì, io ho conosciuto Agostino Fiori. Era già un anziano". Ela diz que o vizinho Agostino teve irmãos que foram para o Brasil e pergunta se eu quero ver a casa onde moravam.

A família Fiori, do casal Ferdinando Fiori e Francesca Giannasi, morava num sobrado de pedra com pequenas janelas para um vale. Infelizmente o sobrado precisou ser reformado e a fachada perdeu as características para um reboco de cimento. A entrada dos fundos tem um forno de pedra, onde dona Francesca devia fazer os pães para os filhos Giovachino, Domenico, Giovani, Agostino e Paolo. A casa está desocupada e pertence a descendentes de Agostino. O sobrado ao lado foi alugado por uma idosa. A cidade toda é de idosos. Os jovens vão embora cedo para a universidade e mercados de trabalho mais promissores. Dona Eni conta que aquele vale em frente à casa dos Fiori era cheio de árvores de avelã. A "farina dolce" era fabricada por eles e vendida na região. Mas vieram os tempos difíceis a partir de 1880, em especial a crise econômica envolvendo a produção rural italiana que se concentrou em grandes propriedades com pesados impostos para os pequenos. Foi então que Giovachino e Domenico desceram os alpes em direção a Genova, acompanhados da esperança de uma vida melhor na América.

Na colônia de Santa Isabel, atual Garibaldi, no Rio Grande do Sul, Giovachino casou-se por volta de 1885 com Antonia Zilio e mudou o nome para Joaquim. Ele construiu um sobrado em Pinheiro Seco, distrito de Veranópolis. Um povoado formou-se em torno do estabelecimento comercial dos Fiori. Na década de 1920, a pequena cidade passa a se chamar Vila Flores, em homenagem à família. Giovacchino recebeu uma homenagem póstuma (Diploma ao Mérito) da Camara di Commercio, Industria, Artigianato, Agricoltura di Lucca. Enquanto isso, em Alfredo Chaves, atual Veranópolis, Domenico Fiori se dedicou ao comércio, a política e a maçonaria. Em 1884, casa-se com Lucia Gonzatti e tem quatro filhos. Fundou a Societá Stella di Itália, também conhecida como Consiglio di Principe di Napoli, ainda em Conde d'Eu, atual Bento Gonçalves. Em Veranópolis, foi Conselheiro da Confederazione Italiana in Alfredo Chaves, entre 1891 e 1894. Viúvo, casou-se pela segunda vez com Maria Giovanna Canal em 1900, com quem teve outros três filhos.

Uma viagem como esta vai muito além de um passeio turístico. Trata-se de uma aventura ao conhecer o caminho de nossos antepassados para a América. Tudo é história: as muralhas de Bergamo, a riqueza do Palazzo Ducale de Veneza, as pontes romanas da Toscana, as edificações de Roma, a antiga república marinara de Amalfi, os templos gregos de Paestum e a quase intacta cidade romana de Pompéia...tudo faz parte de uma história onde descendentes encontram mais do que nomes de ruas ou certidões de nascimento, encontram as origens.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo post. Estava procurando um Roteiro para viajar até lá. Agora já tenho informações suficientes . Valeu. Abraços
    Marco Antônio Fiori

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